Julgamento do TST sobre aplicação da lei brasileira: aplica ou não?
Recentemente foi muito veiculado um julgado do TST que dispõe sobre a
inaplicabilidade da lei brasileiras aos tripulantes brasileiros. Ao contrário
do que foi colado nesse julgado, que é de dezembro de 2018, a jurisprudência
predominante é pela aplicação da lei brasileira, tanto aqui, na temporada
nacional, quanto na parcela de temporada que é internacional.
Ao mencionar que o tripulante preponderantemente fez temporada
brasileira naquele julgado, de dezembro de 2018, do Ministro Alexandre, não há,
por sua vez, o detalhamento das provas orais dos autos, que demonstraria efetivamente
quando se inicia e quando se encerra a temporada brasileira de navios, que é
fato absolutamente relevante para o bom prosseguimento do recurso de natureza
extraordinária como é o recurso de revista.
De tão óbvia que é a temporada nacional de navios podemos até dizer que
é fato notório (inicia-se sempre em outubro ou novembro até março ou abril do
ano seguinte), questão que a nosso ver não seria necessária uma prova nesse
sentido. Mas, de toda sorte, é muito comum que os tripulantes brasileiros
demonstrem por testemunha a categoricamente realização da temporada exclusivamente
brasileira no final de um ano e começo do outro, variando apenas os meses de
início e fim.
Nesse período que está no Brasil, o navio fica adstrito a costa
nacional, fazendo os conhecidos portos de Santos, Ilha Bela, Salvador, Rio de
Janeiro, Porto Belo etc. Por sua vez, as Cias tentam dizer que a temporada
seria da “américa do sul” (?!), contudo, enquanto esteve no Brasil, os navios
que os tripulantes laboram foram exclusivamente de temporada brasileira durante
esse período. Tanto assim é que os passageiros são brasileiros e os portos de
embarque e desembarque são aqueles situados no Brasil.
A consolidada jurisprudência que o TST tem há anos
iniciou-se com o voto da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, citamos:
TRABALHO EM NAVIO ESTRANGEIRO –
EMPREGADO PRÉ-CONTRATADO NO BRASIL – CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO – LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
1.
O princípio do centro da gravidade , ou, como chamado no direito
norte-americano, most significant
relationship, afirma que as regras de Direito Internacional Provado
deixarão de ser aplicadas excepcionalmente, quando, observadas as
circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem uma ligação muito mais
forte com outro direito. É o que se denomina “válvula de escape”, dando maior
liberdade ao juiz para decidir que o direito aplicável ao caso concreto.
2.
Na hipótese, em se tratando de empregada brasileira, pré-contratada no Brasil,
o princípio do centro da gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da
legislação brasileira.
MULTA
DOS ARTIGOS 477 E 467 DA CLT – FUNDADA CONTROVÉRSIA
Não
se conhece do Recurso de Revista que não logra demonstrar divergência
jurisprudencial específica e não aponta violação legal ou contrariedade a
súmula.
Recurso
de Revista não conhecido.[1]
Depois desse caso, que já faz dez anos
(aproximadamente), vieram tantos outros, sempre com o mesmo posicionamento da
Corte, que citamos apenas alguns que temos conhecimento:
Anderson
Villar x Costa Cruzeiros - nº 0001075-70.2013.5.02.0444 - Relator: Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte - 3ª
Turma TST
Georgia
Bastos x Costa Cruzeiros - nº 19300-94.2006.5.02.0441 - Relator: Ministro Aloysio Corrêa da Veiga - 6ª Turma TST
Cristiane
Purcena x Costa Cruzeiros - nº 0000699-87.2013.5.02.0443 - Relator: Ministro Hugo Carlos Scheuermann - 1ª Turma TST
Anselmo
Bruno x Costa Cruzeiros - nº
0000940-32.2011.5.02.0443 - Relatora: Desembargadora Convocada Rosalie Michaele Bacila Batista - 4ª Turma TST
Luis
Fernando x Costa - nº 0001789-04.2011.5.02.0443 - Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado - 3ª Turma TST
Lais
Helena x Costa - nº 0000423-24.2011.5.02.0444 - Relator: Desembargador Convocado
Ubirajara Carlos Mendes - 7ª Turma
TST
Fabiana
Assad x Costa - nº 0001949-32.2011.5.02.0442 - Relator: Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão - 7ª Turma TST
Marcelly
Santana x Costa - nº 0001728-43.2011.5.02.0444 - Relator: Desembargador
Convocado Roberto Nobrega de Almeida
Filho - 7ª Turma TST
Flavia
Sampaio x Costa - nº 358-86.2012.5.02.0446 - Relator: Desembargador Convocado Gilmar Cavalieri – 2ª Turma TST
Inalda
dos Santos x Pullmantur – nº 0000522-91.2011.5.02.0444 - Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado – 3ª Turma TST
João
Ribeiro x SCA – nº 817-02.2011.5.04.0371 - Relator Ministro: João Oreste Dalazen – 4ª Turma TST
Julian
x Royal Caribean – nº 110800-64.2008.5.02.0445 - Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado - 3ª Turma TST
Adriano
x Msc – nº 130321-42.2013.5.13.0015 - Ministros Walmir Oliveira da Costa - 1ª
Turma do Tribunal Superior do Trabalho
Recentemente, em julgado absolutamente isolado, como
já adiantamos, o Ministro ALEXANDRE LUIZ RAMOS deu provimento ao recurso da MSC nos autos do
processo 1829-57.2016.5.13.0005, que é
mencionado pelo v. acórdão. O
caso ainda está pendente de análise de embargos declaratórios e, data máxima
vênia, não traz de fato o posicionamento desse TST em mais de dez anos.
Tanto
assim é que agora, no mês de abril, a Doutora KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA, nos autos do PROCESSO Nº
TST-ARR-11800-08.2016.5.09.0028 trouxe extenso e completo voto, que
detalhada especificamente as teses mencionadas.
Com todo respeito ao Ministro Alexandre Luiz Ramos,
mas seu entendimento é absolutamente equivocado.
Parece-nos
bastante clara a intenção do legislador de afastar a possibilidade de aplicação
de normas alienígenas que contrariem ou deixem ao desamparo das leis
brasileiras os contratos de trabalho que vierem a ser executados no Brasil.
Ineficácia de contrato realizado sobre a legislação estrangeira, ainda que a
bandeira da embarcação não seja nacional. Art. 9º da CLT. Art. 5º do Decreto
18.871, de 13 de agosto de 1929.
As
cias admitem que os tripulantes estiveram a bordo de embarcação que passava por
diversos países, elencando entre eles e principalmente, o Brasil. Nesse quadro,
a circunstância do navio ser de bandeira de outro país não tem o alcance de
atrair, por si só, toda a legislação trabalhista àquele país, na medida em que
a embarcação era privada, e tendo em vista que houve prestação de serviços em
território nacional.
Assim
sendo, e considerando que tripulantes e cias são brasileiras, estão presentes
os elementos de conexão necessários à atração da jurisdição nacional e da
aplicabilidade da norma brasileira, nos termos do art. 651, §1º e 2º, da CLT.
Exegese em conformidade com o direito fundamental de acesso do trabalhador à
Justiça. Até porque, ainda que se considere que o trabalhador prestou serviços
no exterior, o simples fato dele postular pedidos com base na CLT revela que é
esta a legislação que lhe é mais favorável a qual, assim, deve prevalecer, nos
termos da Lei 7.064/82, arts. 2º e 3º; ademais, não há que se olvidar que a
Súmula 207 do C. TST foi cancelada.
Cediço que em
decorrência da Resolução Normativa nº. 71/2006, do
Conselho Nacional de Imigração, a embarcação é obrigada a ter 25% dos
tripulantes brasileiros, mais um motivo que o legislador quis deixar claro sua
intenção em preferir aos brasileiros as suas normas.
O próprio Código de Bustamante – tantas
vezes citado pelas cias –, em seu artigo 198 dispõe que “também é territorial a legislação sobre accidentes do trabalho e
protecção social do trabalhador”.
A jurisprudência trabalhista, sensível ao
processo de globalização da economia e de avanço das empresas brasileiras para
novos mercados no exterior, passou a perceber a insuficiência e inadequação do
critério normativo inserido na antiga Súmula 207 do TST (lex loci
executionis) para regulação dos fatos congêneres multiplicados nas duas
últimas décadas. Nesse contexto, já vinha ajustando sua dinâmica
interpretativa, de modo a atenuar o rigor da velha Súmula 207/TST, restringido
sua incidência, ao mesmo tempo em que passou a alargar as hipóteses de
aplicação das regras da Lei n. 7.064/1982. Assim, vinha considerando que o
critério da lex loci executionis (Súmula 207) – até o advento da Lei n.
11.962/2009 – somente prevalecia nos casos em que foi o trabalhador contratado
no Brasil para laborar especificamente no exterior, fora do segmento
empresarial referido no texto primitivo da Lei n. 7064/82. Ou seja, contratado
para laborar imediatamente no exterior, sem ter trabalhado no Brasil.
Tratando-se, porém, de trabalhador contratado no País, que aqui tenha laborado
para seu empregador, sofrendo subsequente remoção para país estrangeiro, já não
estaria mais submetido ao critério normativo da Convenção de Havana (Súmula
207), por já ter incorporado em seu patrimônio jurídico a proteção normativa da
ordem jurídica trabalhista brasileira. Em consequência, seu contrato no
exterior seria regido pelo critério da norma jurídica mais favorável brasileira
ou do país estrangeiro, respeitado o conjunto de normas em relação a cada
matéria. Mais firme ainda ficou essa interpretação após o cancelamento da velha
Súmula 207/TST.
Dessa
forma, parece-nos absolutamente claro que o TST deve manter sua jurisprudência tal
como sempre foi nesses últimos anos, inclusive reformando o voto proferido nos
autos do processo 1829-57.2016.5.13.0005,
em caso de oposição de embargos de divergência. É
fato, portanto, que todo brasileiro, aqui contratado ou pré-contratado, deve
ser guarnecido pelas normas brasileiras (CLT), ainda que faça parte da
temporada nacional e outra internacional.
[1]
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. Matéria
Trabalhista. Lei aplicável ao caso.
Processo nº TST/RR127/2006-446-02-00.1. Relatora Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi. Brasília, maio de 2009.
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